Fundação CARF

5 de maio, 20

Artigos de Especialistas

Entre a espiritualidade e a religião

Passaram 75 anos desde a publicação de um dos romances mais populares do século XX, William Somerset Maugham's The Razor's Edge.

A história de Larry Darrel

Apela pelos seus cenários atractivos: o período entre guerras, com Paris como o cruzamento do mundo e a Côte d'Azur como um paraíso para milionários e artistas. Larry é um jovem americano, um piloto voluntário na Primeira Guerra Mundial que está profundamente afectado pela morte de um camarada que morreu a salvar a sua vida. Esta experiência leva-o a terminar o seu noivado com Isabel Bradley, uma herdeira rica de Chicago, e a iniciar uma peregrinação à volta do mundo na esperança de que as bibliotecas de filosofia e literatura lhe dêem alguma resposta à sua experiência traumática. Isabel recusa-se a acompanhá-lo nesta peregrinação, pois isso significaria renunciar à vida de festas e ao luxo que sempre quis. Essa vida só lhe será dada se ela se juntar a um milionário, Gray Maturin, e casar com ele. Entretanto, as preocupações espirituais de Larry levam-no a trabalhar numa mina na Bélgica, numa quinta na Alemanha e mesmo num mosteiro beneditino em França. Finalmente ele parte para a Índia, onde encontra um guru, Shiri Ganesha, que irradia serenidade, gentileza e paz. O jovem acredita ter encontrado ali a felicidade última e regressa aos EUA, depois da França, para levar uma vida escondida como mecânico ou taxista, que o sustentará a levar uma vida de "calma, caridade, compaixão, desprendimento e coerência".

Autor: William Somerset Maugham

Muitos leitores de O fio da navalha Eles admiram a jornada espiritual de Larry em direcção às filosofias orientais. Tais filosofias são hoje bem sucedidas porque substituem o árduo caminho do encontro com um Deus pessoal pela busca do Absoluto, traduzido numa paz interior que salvaguarda o indivíduo das tristezas da vida. Abordei o romance muitas vezes numa tentativa de compreender Larry, mas finalmente percebi que primeiro tenho de compreender Maugham e as suas experiências de vida. Ele perdeu os seus pais numa idade precoce e foi educado por um vigário anglicano rígido a partir dos 10 anos de idade. Ele teve de estudar, com pouca convicção, para um curso de medicina em Londres, e abandonou tudo pela sua vocação como escritor. A fama veio mais tarde sob a forma de teatro, romances e roteiros de cinema. O seu sucesso ajudou-o a comprar uma residência, a Villa Mauresque, em Cap Ferrat, onde se limitaria a escrever; um caso que me faz lembrar Vicente Blasco Ibáñez, também confinado à sua Fontana Rosa na não muito distante Menton. Na minha opinião, no seu confinamento ambos os autores tiveram de experimentar feridas irreversíveis nas suas próprias almas e nas dos seus personagens principais. O escritor britânico também se protegeu com uma pose cínica.

LarryDarrellEspiritualidade 1

Larry Darrell numa adaptação cinematográfica de 1946 do romance 'Razor's Edge'. Foto: Raposa do Século XX

O homem religioso que não acredita em Deus

Larry tem muitas dessas feridas. Um monge beneditino, Padre Ensheim, diz dele que é um homem profundamente religioso, que não acredita em Deus. Esta declaração está de acordo com aquela famosa profecia por André Malraux, que "o século XXI será religioso ou não será".. Mas certas espiritualidades, não religiões, são uma expressão de individualismo. Há uma satisfação em fazer o bem e ajudar os outros, embora nem sempre com empatia suficiente. Talvez a fraqueza destas boas intenções seja que os necessitados, especialmente se estiverem gravemente doentes ou pobres e miseráveis, podem revoltar-se contra os seus benfeitores e estes últimos podem fugir horrorizados. Protesto, nascido do desespero, revela que existem benfeitores que só estão fora para si próprios.

Larry confessa a um amigo que gostaria de ter vivido na Idade Média, quando a fé era sentida sem pensar nisso. Agora é impossível, porque não lhe foi dado o dom da fé. O jovem recusa-se a aceitar o conselho de Ensheim de que se alguém se comportar como se tivesse fé, a fé será concedida. Nem compreende por que razão um filho deve recorrer ao seu pai no Pai Nosso e pedir o seu pão de cada dia. Porquê pedir a um criador omnipotente que sabe o que os seus filhos precisam? Porquê louvar a Deus todos os dias? O céu pode ser comprado por adulação?

Concluo que Larry, e o próprio Maugham, tiveram uma educação rígida, dificilmente cristã no nome. A fé foi reduzida ao sentimento, as obras não importam para a salvação. O pecado não é apenas pessoal, mas também um efeito de condicionamento social. Consequentemente, a religião é para o indivíduo. O sentido de pertença a uma comunidade, ou o conceito de Deus como Trindade, é diluído. A insatisfação resultante já não espera mais por um Salvador, e apenas se aspira a um bem-estar psíquico, sem grandes compromissos, que se acredita ter encontrado nas religiões orientais.

Antonio R. Rubio Plo
Licenciado em História e Direito
Escritor e analista internacional
@blogculturayfe / @arubioplo

Partilhe o sorriso de Deus na terra.

Atribuímos o seu donativo a um padre diocesano, seminarista ou religioso específico, para que possa conhecer a sua história e rezar por ele através do seu nome e apelido.
DONAR AGORA
DONAR AGORA