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18 de abril, 22

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Pasolini e os dois Pablos

O realizador italiano queria fazer um filme sobre a vida de São Paulo, mas não foi recebido pelos círculos religiosos ou seculares, embora o guião tenha sido publicado.

Pier Paolo Pasolini

Passaram-se 100 anos desde o nascimento de Pier Paolo Pasolini, nascido em Bolonha a 5 de Março de 1922, um dos mais destacados cineastas e escritores do século XX.

É uma boa oportunidade para reflectir sobre a sua percepção particular do Cristianismo e da Igreja.. Ele descreveu-se como ateu e marxista, embora tenha sido o autor de O Evangelho Segundo São Mateus, cuja principal qualidade é transferir para a tela o melhor dos roteiros de cinema: um Evangelho sem brilho. Anos mais tarde, Pasolini encontrou dois cristãos Pablos: Paulo, o apóstolo, e Paulo VIo Papa.

O O realizador italiano quis fazer um filme sobre a vida de S. Paulo.mas não encontrou favor nem nos círculos religiosos nem nos seculares. Na realidade, ele procurou fazer uma curiosa trilogia de filmes sobre Paulo de Tarso, Charles de Foucauld e Antonio Gramsci, com uma abordagem sem dúvida polémica.

Nenhum destes projectos se concretizou, embora o guião de São Paulo tenha sido publicado. Não foi um filme de época, mas uma transposição da vida do apóstolo para certos cenários e lugares do século XX, combinando cenas documentais com textos que apareciam em preto, retirados dos Actos dos Apóstolos e das cartas. Barcelona, Paris, Munique, Roma e Nova Iorque foram as cidades em que a vida de Paul teve lugar no século XX.

Pier Paolo Pasolini - Cineasta - Especialistas CARF

Pier Paolo Pasolini (Bolonha, 5 de Março de 1922 - Lazio, 2 de Novembro de 1975) Escritor, poeta e realizador italiano.

O filme de Pasolini apresentava dois Pablos diferentes

O fariseu rigoristafundador de uma Igreja institucionalizada, e o santoque não esconde as suas fraquezas e escreve o melhor dos hinos para a caridade.

O segundo Paulo é aquele que desperta a simpatia do director, pois ele imagina que o fariseu teria muito a ver com a morte prematura da sua mãe e a educação autoritária de um pai física e espiritualmente distante. É aquele pai que o envia para Jerusalém para receber uma educação farisaica.

Mas O Paulo favorito de Pasolini é que ele fala de "escândalo para os judeus e idiotice para os gentios".. Ele identifica-se com o Paulo das letras, não com o Paulo dos Actos.

Além disso, o filme, tal como outros do realizador, seria uma requisição contra a civilização burguesaEle ataca "judeus e gentios", a dupla expressão da conformidade contemporânea, no seu aspecto hipócrita e convencionalmente religioso, e no seu aspecto secular, liberal e materialista. Ele ataca os "judeus e gentios", a dupla expressão da conformidade contemporânea, no aspecto hipócrita e convencionalmente religioso, e no aspecto secular, liberal e materialista. Vemos mesmo um Paulo esmagado pelo cansaço e desânimo, cuja pregação é rejeitada na Roma céptica e liberal, a Atenas do século XX, ou não encontra eco no meio das multidões e do trânsito de Nova Iorque, uma cidade que simboliza a alienação e a solidão. Finalmente, é nos Estados Unidos que Paul sofre o martírio, vítima de um atirador furtivo na janela de um motel, uma clara referência ao assassinato de Luther King. Esta morte tem lugar no meio da indiferença daqueles que passam.

Uma interpretação do filme é que Pasolini com o objectivo de denunciar um mundo desprovido de caridadeO director afirmou que as ideologias e uma concepção burocratizada da religião são estranhas a ela. O director afirmou que as ideologias e uma concepção burocratizada da religião são alheias à religião. Ele sublinhou que todo o poder estabelecido insiste demasiado na fé e na esperança, nunca na caridade. A dificuldade de traduzir isto em imagens fê-lo modificar o guião em várias ocasiões. Mas Nem mesmo um actor como Orson Welles, concebido para interpretar São Paulo, poderia ter transmitido fielmente as contradições que o realizador pensava ter visto no apóstolo.

Paulo VI

Em Setembro de 1974 Pasolini leu na imprensa o discurso de Paulo VI numa audiência geral que começou por se referir às dificuldades da Igreja num mundo em mudança, no qual o Cristianismo não teria direito a existir, uma vez que era mais fácil assumir uma concepção racionalista e científica sem dogmas e hierarquias. Este não foi um discurso pessimista, pois o Papa assegurou que uma fé viva e autêntica era a primeira condição para superar esta dificuldade. Pasolini tinha confessado a um jornalista que estava consciente do sofrimento vivido por Paulo VI no período pós-conciliar, um sofrimento acentuado pela sua condição de intelectual reflexivo, não dado a manifestações externas, mas não menos sincero por isso. Ele respondeu ao discurso com um artigo no qual dizia que a Igreja deveria entrar em oposição e confrontar o poder burguês que procurou excluí-la depois de a ter instrumentalizado durante mais de um século, e acrescentou que toda a verdadeira religião deveria opor-se a este poder.

É muito provável que Paulo VI tenha lido o seu artigo, pois a 2 de Novembro de 1975, quando a notícia do assassinato de Pasolini numa praia de Óstia por um rapaz de 17 anos foi transmitida pela televisão, o Papa rejeitou um comentário depreciativo de um dos seus colaboradores. Ele levantou-se, pôs-se em frente ao ecrã para fazer o sinal da cruz e depois acrescentou: "Requiem aeternam dona dei Domine". E agora vamos todos rezar por esta pobre alma".

Com a colaboração de:

Antonio R. Rubio Plo
Licenciado em História e Direito
Escritor e analista internacional
@blogculturayfe / @arubioplo

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