Logotipo Fundación CARF
Doar

Oração, missa e missão cristã

02/11/2025

Papa León XIV

O que é que a nossa oração tem a ver com a oração de Jesus? Isto significa que a sua oração é um modelo para a nossa, ou que ele nos ensina a rezar? Sim, mas não apenas isso. Tudo na nossa oração (que pode ser feita simplesmente como um diálogo com Deus) tem a ver com a oração de Jesus. O Papa Francisco explicou isto na sua audiência geral no dia 28 de Outubro.

Em particular, a oração de Jesus no dia do seu batismo no rio Jordão. Ele quis ir lá, que não tinha pecado para se lavar, em obediência à vontade do Pai. E não fica do outro lado do rio, na margem, como se dissesse: eu sou o santo e vós sois os pecadores. Põe-se à frente dos penitentes, “num ato de solidariedade com a nossa condição humana”.

Este é sempre o caso, o Papa observa: "Nunca rezamos sozinhos, rezamos sempre com Jesus.”. Um tema desenvolvido e aprofundado anteriormente pelo Papa Emérito Bento XVI. Também para compreender Cristo.

A oração do Filho de Deus

Assim diz o Catecismo da Igreja Católica e Francisco retoma-a: «A oração filial, que o Pai esperava de seus filhos, será finalmente vivida pelo próprio Filho único em sua Humanidade, com os homens e em favor deles» (n. 2599).

O Evangelho de Lucas diz-nos que quando Jesus estava a ser baptizado, enquanto orava, abriu-se um buraco como se estivesse no céu, e a voz do Pai foi ouvida: "...".Tu és meu Filho; hoje eu te gerei."(Lc 3,22). E o Papa observa que esta simples frase contém um imenso tesouro, porque nos dá um vislumbre do mistério de Jesus e do seu coração sempre voltado para o Pai:

"No turbilhão da vida e do mundo que virá condená-lo, mesmo nas experiências mais duras e tristes que terá de suportar, mesmo quando sentir que não tem onde reclinar a cabeça (cf. Mt 8, 20), mesmo quando o ódio e a perseguição o cercarem, Jesus nunca está sem o abrigo de um lar: ele habita eternamente no Pai.".

Francisco acrescenta que a oração pessoal de Jesus "no Pentecostes tornar-se-á por graça a oração de todos os baptizados em Cristo". E por isso aconselha-nos que se alguma vez nos sentirmos incapazes de rezar, indignos de que Deus nos ouça, devemos pedir a Jesus para rezar por nós, para mostrar novamente as suas feridas a Deus Pai, em nosso nome..

Se tivermos essa confiança, o Papa garante-nos, ouviremos de alguma forma essas palavras que nos são dirigidas: "...se tivermos essa confiança, o Papa garante-nos, ouviremos de alguma forma essas palavras que nos são dirigidas: ".Você é o amado de Deus, você é o filho, você é a alegria do Pai do céu.".

Em suma, «Jesus deu-nos a sua própria oraçãoque é o seu diálogo de amor com o Pai. Deu-nos isso como uma semente da Trindade, que quer criar raízes nos nossos corações. Aceitemo-la! Abraçamos este dom, o dom da oração.. Sempre com Ele. E não nos enganaremos.

Lá se vão as palavras de Francisco na sua catequese de quarta-feira. A partir daqui podemos ir mais fundo na forma como a nossa oração se relaciona com a oração do Senhor, e como isso se relaciona com a Missa, que tem sempre algo de "festa". E como isto nos leva, em última análise, a participar na missão da Igreja. Façamos uma abordagem passo a passo, guiados pelo teólogo Joseph Ratzinger.

Joseph Alois Ratzinger, voda de oración.

"Dirijamos a nossa gratidão sobretudo a Deus em quem vivemos, nos movemos e existimos" Bento XVI

A nossa oração como filhos no Filho

O conteúdo da oração de Jesus - oração de louvor e acção de graças, de petição e reparação - desdobra-se a partir de uma consciência íntima da sua filiação divina e da sua missão redentora.

É por isso que Ratzinger observou - na perspectiva do ponto do Catecismo citado por Francisco - que o conteúdo da oração de Jesus concentra-se na palavra AbbaA palavra pela qual as crianças hebraicas chamavam os seus pais (equivalente ao nosso "papá"). É o sinal mais claro da identidade de Jesus no Novo Testamento, assim como a expressão sintética mais clara de toda a sua essência. Basicamente, esta palavra expressa o assentimento essencial ao seu ser o Filho. É por isso que o Pai nosso é um prolongamento do Abba transferido para nós, seus fiéis (cf. La fiesta de la fe, Bilbao 1999, pp. 34-35).

É assim que as coisas são. A oração cristã, a nossa oração, tem como fundamento vivo e centro a oração de Jesus. Está enraizado nele, vive dele e prolonga-o sem o ultrapassar, uma vez que a oração de Jesus, que é a nossa "cabeça", precede a nossa oração, sustenta-a e dá-lhe a eficácia da Sua própria oração.  A nossa é uma oração de filhos "no Filho". A nossa oração, como a de Jesus e em união com a sua, é sempre uma oração ao mesmo tempo pessoal e solidária.

Isto é possível pela ação do Espírito Santo, que nos une a todos no Senhor, no seu corpo (místico) que é a Igreja: "Na comunhão no Espírito Santo, a oração cristã é oração na Igreja". "Na oração, o Espírito Santo une-nos à Pessoa do Filho único, na sua humanidade glorificada. Por Ela e n'Ela, a nossa oração filial comunga na Igreja com a Mãe de Jesus (cf. Act 1, 14)" (Catecismo da Igreja Católica, nn. 2672 e 2673).

Na Missa Deus está presente

Pois bem, Ratzinger continua, da união com a oração de Jesus, ou seja, da consciência da nossa participação na filiação divina em comunidade com Cristo, prolonga esta oração de Jesus na vida quotidiana. E então, diz ele, o mundo pode tornar-se uma festa.

O que é uma festa? 

Uma festa, diria Bento XVI anos mais tarde, é "um acontecimento em que todos estão, por assim dizer, fora de si próprios, para além de si próprios, e portanto consigo próprios e com os outros" (Discurso à Cúria Romana, 22 de Dezembro de 2008).

Mas - podemos agora perguntar-nos - que sentido faria transformar o mundo numa "festa" em circunstâncias como as actuais, no meio de uma pandemia, de uma crise económica complicada, de injustiças e violências, mesmo em nome de Deus, que deixam por toda a parte marcas de dor e de morte?

Mais perguntas: O que é que nós, como cristãos, queremos dizer quando dizemos que nós "celebramos" a missaE porque é que a missa tem a ver com um banquete? E encontramos esta resposta: não, certamente, no sentido superficial da palavra "festa", que está normalmente associada à azáfama um pouco inconsciente e à diversão daqueles que se distanciam dos problemas; mas por uma razão bem diferente: porque na Missa, escreve Ratzinger, colocamo-nos à volta de Deus, que se faz presente no nosso meio.

Isto dá-nos uma alegria serenacompatível com o claro-escuro da fé, com a dor e até com a morte, porque sabemos que nem mesmo a morte tem a última palavra. Essa última palavra é apenas o amor, que nunca morre.

Foi assim que o Papa Bento XVI explicou, neste longo parágrafo que merece ser transcrito, o que acontece na liturgia cristã:

"Ele [Deus] está presente. Ele entra no nosso meio. O céu foi rasgado e isto torna a terra brilhante. Isto é o que torna a vida alegre e aberta, e une um e todos numa alegria que não pode ser comparada ao êxtase de um festival de rock. Friedrich Nietzsche disse uma vez: "O céu está rasgado".A arte não está em organizar uma festa, mas em encontrar pessoas capazes de se regozijarem com ela.'. Segundo a Escritura, a alegria é fruto do Espírito Santo (cf. Gal 5, 22) (...) A alegria é parte integrante da festa. A festa pode ser organizada; a alegria não pode. Só pode ser oferecido como um presente; (...) O Espírito Santo dá-nos alegria. E ele é alegria. A alegria é o presente em que todos os outros presentes são resumidos. É a manifestação da felicidade, de estar em harmonia consigo mesmo, que só pode vir de estar em harmonia com Deus e com a sua criação. A alegria, pela sua própria natureza, deve irradiar, deve ser comunicada. O espírito missionário da Igreja nada mais é do que o impulso para comunicar a alegria que nos foi dada.». (Discurso à Cúria Romana, 22 de dezembro de 2008)

A missa, acontecimento central da vida cristã

No que diz respeito ao EucaristiaDeve-se lembrar que a refeição da Páscoa judaica já tinha um forte carácter familiar, sagrado e festivo. Combinou dois aspectos importantes. Um aspecto sacrificial, como o cordeiro oferecido a Deus e sacrificado no altar foi comido. E um aspecto de comunhão, comunhão com Deus e com os outros, manifestado na partilha e bebida do pão e do vinho, depois de terem sido abençoados, como sinal de alegria e paz, de acção de graças e renovação do pacto (cf. A Festa da Fé, pp. 72-74).

A Missa assume a essência de tudo isto e ultrapassa-a como um actualização" sacramental (isto é, através de sinais que manifestam uma verdadeira acção divina, na qual colaboramos). da morte e ressurreição do Senhor para a nossa salvação.

Nele rezamos por todos, os vivos, os saudáveis e os doentes, e também pelos mortos. E nós oferecemos o nosso trabalho, tristezas e alegrias para o bem de todos.

A nossa fé assegura-nos que Deus governa a história e nós estamos nas Suas mãos, sem nos pouparmos ao esforço de a melhorar, de encontrar soluções para problemas e doenças, de fazer do mundo um lugar melhor. E assim a massa é a expressão central do sentido cristão da vida.

A nossa fé dá-nos também o sentido da morte como passagem definitiva para a vida eterna com Deus e os santos. É natural que choremos aqueles que perdemos de vista na terra. Mas não os choramos em desespero, como se essa perda fosse irreparável ou definitiva, porque sabemos que não é assim. Temos fé que, se foram fiéis, estão melhor do que nós. E esperamos um dia estar reunidos com eles para celebrar, agora sem limites, o nosso reencontro.

Da oração e da missa à missão

Vamos retomar a linha de Ratzinger. A oração é um acto de afirmação do ser, em união com o "Sim" de Cristo à sua própria existência, à do mundo, à nossa própria existência. É um acto que nos permite e nos purifica para participar na missão de Cristo.

Nessa identificação com o Senhor - com o seu ser e a sua missão - que é a oração, o cristão encontra a sua identidade, inserida no seu ser Igreja, família de Deus. E, para ilustrar esta realidade profunda da oração, Ratzinger assinala:

"Partindo desta ideia, a teologia da Idade Média estabeleceu como objectivo da oração, e do tumulto do ser que nela ocorre, que o homem deve ser transformado em 'anima ecclesiastica', em 'anima ecclesiastica', em 'anima ecclesiastica'. encarnação pessoal da Igreja. É identidade e purificação ao mesmo tempo, dando e recebendo nas profundezas da Igreja. Neste movimento, a língua materna torna-se nossa, aprendemos a falar nela e através dela, para que as suas palavras se tornem as nossas palavras: a doação da palavra daquele diálogo milenar de amor com aquele que quis tornar-se uma só carne com ela, torna-se o dom da fala, através do qual eu me dou verdadeiramente a mim mesmo e desta forma sou devolvido por Deus a todos os outros, dado e gratuito" (Ibid., 38-39).

Portanto, Ratzinger conclui, se nos perguntarmos como aprendemos a rezar, devemos responder: aprendemos a rezar rezando "com" os outros e com a mãe.

É sempre assim, de facto, e nós podemos concluir pela nossa parte. A oração do cristão, uma oração sempre unida a Cristo (mesmo que não nos apercebamos disso) é uma oração no "corpo" da Igrejamesmo que se esteja fisicamente só e se reze individualmente. A sua oração é sempre eclesial, embora por vezes isto se manifeste e se realize de forma pública, oficial e até solene.

A oração cristã, sempre pessoal, tem várias formas: da participação externa nas orações da Igreja durante a celebração dos sacramentos (especialmente a missa), até a oração litúrgica das horas. E, de uma forma mais elementar e acessível a todos, a oração “privada” do cristão - mental ou vocal - diante de um sacrário, diante de um crucifixo ou simplesmente no meio das actividades ordinárias, na rua ou no autocarro, no trabalho ou na vida familiar, social e cultural.

Também piedade popular de procissões e peregrinações pode e deve ser uma forma e expressão de oração.

Através da oração chegamos à contemplação e ao louvor de Deus e da Sua obra, que desejamos permanecer connosco, para que a nossa seja frutuosa.

Para que a Eucaristia se torne parte da nossa vida, a oração é necessária.

A oração - que tem sempre uma componente de adoração - precede, acompanha e segue a Missa. A oração cristã é um sinal e um instrumento de como a missa "entra" na vida e transforma a vida numa celebração, num banquete. 

A partir daí podemos finalmente compreender como a nossa oração, sempre unida à oração de Cristo, não é apenas uma oração "na" Igreja, mas também nos prepara e fortalece para participar na missão da Igreja.

A vida cristã, convertida numa "vida de oração" e transformada pela Missa, é traduzida em serviço às necessidades materiais e espirituais dos outros. E enquanto vivemos e crescemos como filhos de Deus na Igreja, participamos na sua edificação e missão, graças à oração e à Eucaristia. Nenhuma destas são meras teorias ou imaginações como alguns poderiam pensar, mas realidades tornadas possíveis pela acção do Espírito Santo.

Como diz o Catecismo da Igreja Católica: o Espírito Santo "prepara a Igreja para o encontro com o seu Senhor; recorda e manifesta Cristo à fé da assembleia; torna presente e actualiza o mistério de Cristo pelo seu poder transformador; finalmente, torna presente e actualiza o mistério de Cristo pelo seu poder transformador, o Espírito de comunhão une a Igreja à vida e à missão de Cristo".


Autor: Sr. Ramiro Pellitero IglesiasProfessor de Teologia Pastoral na Faculdade de Teologia da Universidade de Navarra.

Artigo publicado em: Igreja e nova evangelização.


Partilhar
magnifiercrossmenu