
Hoje é dia de fazer um elogio à simplicidade. Uma virtude rara, que desejamos apreciar nos outros, mas talvez não estejamos convencidos de que também é muito boa para nós. Alguns, pela experiência de vida acumulada, alimentam uma certa desconfiança em relação ao que é natural, ao que é simples; e, com receio de serem enganados, ao encontrarem uma pessoa simples, esforçam-se apenas por tentar descobrir o que ela esconde.
É possível que muitas pessoas considerem a simplicidade algo inútil para a luta pela vida que enfrentamos todas as manhãs. Devo confessar que fico comovido sempre que encontro uma pessoa simples, «natural ou espontânea, de caráter descomplicado, sem reservas ou artifícios», como define o Dicionário; e diante desses outros seres humanos, também simples, que — continua o Dicionário — «no trato com os outros, não assumem atitudes de pessoas de categoria superior, inteligência, conhecimento, etc., mesmo que as tenham».
O homem simples aprecia a bondade dos outros, alegra-se com a alegria daqueles que o rodeiam e possui o sexto sentido de descobrir a beleza e a bondade à sua volta. Vejo-o como se estivesse sempre ao lado de Deus, agradecendo-lhe pela criação.
Um entardecer à beira-mar, um pôr do sol contemplado do alto de uma montanha, uma conversa tranquila com um amigo... o homem simples aprecia todos esses momentos em todos os seus detalhes. A sua simplicidade abre o horizonte do seu espírito à grandeza de Deus, do mundo, de toda a criação; a grandeza da amizade, a grandeza da companhia de uma pessoa querida e da maravilha do amor que se encerra num coração agradecido; a grandeza de um espírito que se alegra com a alegria daqueles que o rodeiam...

Nessa redescoberta, a inteligência do simples encontra um lugar para cada coisa na ordem do universo. Com a simplicidade, desfruta-se a conquista da lua; e não é menor a alegria de sorrir para um recém-nascido, ajudar uma idosa um pouco indefesa a atravessar a rua, consolar um neto que sofre o primeiro fracasso profissional da sua vida, alegrar-se com um vizinho pelo prémio da lotaria...
Não sei se ainda estamos muito influenciados pelos sonhos de grandeza de Nietzsche, com o seu super-homem a reboque; um super-homem de inteligência limitada e com pés de barro, fruto de uma imaginação evasiva.
Ou talvez seja o sentido inato da tragédia que nos impede de descobrir o valor e o sabor das coisas comuns e leva o homem a sonhos inatingíveis, sonhos estéreis e inúteis, tão diferentes das verdadeiras e grandes ambições humanas, e nos leva a passar pela vida sem desfrutar da simplicidade de tantas maravilhas.
A Escritura expressa isso de forma gráfica ao nos mostrar o profeta Elias aprendendo a descobrir Deus, não na tempestade, nem no granizo, nem nos ventos fortes, nem no tremor da terra, nem no fogo; mas em “uma brisa suave”, a coisa mais comum e ordinária, onde ninguém poderia esperar. Cristo agradece e recompensa quem dá um copo de água a um sedento.
O homem simples saboreia, tem paladar para apreciar o gosto das coisas, deleita-se em agradecer – agradecer também é um privilégio dos inteligentes – e em receber aquele pequeno prémio da vida que é a simplicidade do sorriso.
Juan Ramón Jiménez expressa isso em prosa poética: «Que sorriso encantador o da menina!... Com sua alegria chorosa, ela ofereceu-me duas laranjas selecionadas. Aceitei-as com gratidão e dei uma ao burrinho fraco, como doce consolo, e outra a Platero, como prémio de ouro».
Não é saudade de outros tempos passados, melhores, infantis. A simplicidade é a porta para a compreensão de um futuro que começa a cada instante. Esse futuro para o qual o simples vai de braços abertos. Às vezes penso que o simples esconde um tesouro: a eternidade do Amor de Deus.
Ernesto Juliá (ernesto.julia@gmail.com) | Anteriormente publicado em Confidencialidade da Religião.
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